
Chegamos a mais um dia 20 de novembro, e como de praxe, os movimentos sociais organizados em torno da questão negra se mobilizam para a celebração da data. No entanto, há uma reação de alguns setores da sociedade contra a data, muitas delas de conotação racista. Esses setores apontam que a data para a comemoração deveria ser o dia 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea. Então, para “enegrecer” esse debate, o Sintuperj promove uma discussão potente sobre o direito do povo negro de escolher a data para a celebração de seu legado, história, potência e força.
Por que não a data de 13 de maio?
Simplesmente porque ela não contempla as lutas do povo negro por reconhecimento, soberania e equidade. A assinatura da Lei Áurea, mesmo com toda a potência e importância do movimento abolicionista no Brasil no final do século 19 e nomes que devem ser celebrados como Luiz Gama, Adelina, André Rebouças, Maria Firmina dos Reis e Dragão do Mar (Francisco José do Nascimento), entre outros, foi um processo motivado por pressões externas da principal metrópole da época (Inglaterra), que almejava a abertura de mercados e já fazia movimentos de cobranças desde a década de 1840, inclusive com patrulhamento marítimo para impedir o tráfico negreiro (o que levou a promulgação da Lei Eusébio de Queirós, em 1850). As políticas de compensação pela Lei Áurea não foram voltadas para as populações negras escravizadas, mas para os senhores escravagistas que receberam compensações pela perda de suas “posses” e ainda receberam o apoio do Estado para a busca de imigrantes europeus (principalmente italianos, alemães e poloneses) e asiáticos (posteriormente japoneses), prática que também contou com base eugenista (“embranquecimento” da população).
Abandonados à própria sorte, sem casa, comida, sustento ou trabalho, e além de tudo marginalizados em sua existência e cultura (a chamada “Lei da Vadiagem”, que teve sua versão no ano de 1890, é um claro retrato disso), os negros tiveram que buscar formas de sobreviver em um país culturalmente racista. Os resultados são vistos até hoje: os negros têm menos acesso à saúde, à educação, à moradia e aos demais serviços públicos; a favelização é produto direto da segregação racial nos grandes centros; e a população carcerária é composta de 68,7% de pretos ou pardos (dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, ano 2024), enquanto a população negra brasileira é de 55,5%. Ou seja, não há um legado de empoderamento e resistência da população negra no Brasil que seja referenciado na Lei Áurea, o que torna a data vazia.
O legado do 20 de novembro
Agora vamos discutir o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares. Zumbi é o último líder do Quilombo dos Palmares, mas não foi o único. Outros líderes como Ganga Zumba, Ganga Zona, Aqualtune, Acotirene e Dandara são importantes referências para o movimento negro. A data de 20 de novembro é simbólica para o movimento negro, pois é o marco de uma resistência que durou quase um século contra os ataques do poderio colonial português no Brasil.
Mas por que Palmares é tão importante? Mais do que um quilombo, é a primeira referência de uma nação negra independente das amarras coloniais no Brasil. Em seu quase um século de existência, Palmares constituiu um enorme e elaborado sistema social e político, com líderes militares, religiosos e comerciais, estabelecendo diplomacia e comércio com tribos indígenas vizinhas, o que possibilitou seu desenvolvimento. Em seu período mais potente, Palmares contou com cerca de 20 mil moradores, que conviviam em uma experiência coletivista, anti-colonial e abolicionista, contra o subjugo da escravidão imposta pela colônia portuguesa. E Palmares lutou amplamente para manter essa sociedade viva. Sofreu muitos ataques de tropas mercenárias, atraídas pela vultosa recompensa oferecida pela coroa para sua destruição. A organização social de Palmares deu conta, várias vezes, inclusive, de reconstruir aldeias do quilombo que foram atacadas por esses mercenários. Na destruição, a força da resistência.
Pensar esse sistema complexo traz à luz a importância de exaltar o legado dessa que pode ser considerada a primeira grande experiência de luta contra o escravismo no Brasil. Os movimentos sociais da negritude, dentro do que compreendem ser suas lutas, tem todo o direito de reivindicar a data e as experiências que representam os ideais dos povos negros. A potência, a força, a inteligência, a estratégia e as habilidades que tornaram Palmares uma nação gigante dentro do Brasil colonial servem como inspiração para a continuidade da luta. E essa luta é mais do que por direitos, é pelo reconhecimento e valorização do próprio negro como senhor de sua própria história.
Negras e negros, vamos celebrar o dia 20 de novembro! Nós temos o poder de escolher o que, quem e como vamos exaltar na nossa negritude!
O Sintuperj, entidade que conta com representantes negras e negros em vários dos seus principais cargos de gestão (Coordenação Geral, Coordenação de Administração e Finanças, Coordenação de Política Social, Anti-racismo e contra a Homofobia, Coordenação de Saúde e Segurança do Trabalhador, Coordenação de Aposentados, Conselho Fiscal e Delegacias Sindicais – Hupe e Uenf), celebra o Dia da Consciência Negra e reafirma a importância e a potência do povo negro na luta sindical no Rio de Janeiro e no Brasil.



