Manhã do segundo dia de Encontro Internacional na Uerj é marcada por debates sobre pandemia e garantia de direitos sociais fundamentais

A manhã desta quarta-feira, 30/03, foi marcada pelas atividades do segundo dia do Encontro Internacional Democracia e Igualdade: Para um novo modelo de desenvolvimento. O evento é promovido pela PR-3, Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Uerj, e pelo Grupo de Puebla, fórum político e econômico formado por representantes políticos de esquerda de vários países.

Foram promovidos nesta manhã dois painéis de debate, que discutiram pontos como as desigualdades na pandemia de Covid-19 e na pós-pandemia, transformações sociais, direitos e justiça social. O Sintuperj esteve presente através da coordenadora geral Cassia Gonçalves Santos da Silveira e do coordenador jurídico Sérgio Dutra.

Confira os debates do segundo dia de evento:


Painel debate caminhos para a recuperação dos países após dificuldades impostas pela Covid-19

O primeiro painel desta quarta-feira, que iniciou às 09:30h, teve como tema “Desigualdade, pandemia e pós-pandemia” e contou com a participação de Clara López, ex-prefeita de Bogotá; de Mario Delgado, presidente do Morena (Movimento por la Regeneración Nacional do México); e de Gleisi Hoffmann, deputada federal e presidenta do PT (Partido dos Trabalhadores). A apresentação ficou a cargo de Cecilia Nicolini, secretária de mudanças climáticas do governo argentino.

A primeira intervenção foi feita por Clara López, que apontou em seu primeiro ponto de discussão que não foi a pandemia que atingiu efetivamente as camadas mais vulneráveis da sociedade, mas sua condução por parte dos governos neoliberais e conservadores, que não se preocuparam com os mais pobres. A cultura do egoísmo existente no modelo neoliberal, para a ex-prefeita de Bogotá, aprofundou as tragédias e os impactos da Covid nas sociedades. Outro ponto importante apontado por Clara López foi apontar que os dados demonstram que dentre os grupos mais vulnerabilizados as mulheres foram as que mais sofreram, pois além de perder seus empregos durante a pandemia os casos de violência contra as mulheres aumentaram exponencialmente.

 

A palestrante também abordou as questões políticas e econômicas no pós-pandemia, que num cenário de recuperação que até o momento é incipiente e tende a passar por dificuldades por conta do conflito na Ucrânia, impõe desafios por conta da desregulação neoliberal e do endividamento dos estados para o combate à Covid-19. Para Clara López, será necessário criar uma base de pré-distribuição de renda e valorização dos trabalhadores com garantia de direitos, com tributação escalonada para que os que ganham mais paguem mais. No entanto, para a ex-prefeita de Bogotá, esse esforço não pode ser feito individualmente por um país, mas deve haver um esforço conjunto dos países nesse sentido para que a paz e a democracia possam ser valorizadas.

Clara López finalizou sua explanação destacando a necessidade de inclusão das camadas mais vulneráveis da sociedade nesse processo, com a busca de igualdade entre homens e mulheres nos espaços de decisão e com políticas públicas para diminuir os impactos da pandemia e garantir sua dignidade.

O segundo palestrante da mesa foi Mario Delgado, que iniciou sua explanação apontando que a pandemia serviu para mostrar a falência e a incapacidade do modelo neoliberal para dar conta das necessidades e anseios do povo, dando como exemplo o México, que após a eleição do presidente López Obrador se debruçou em pontos como a modificação da Constituição do país, o combate à corrupção e a reforma fiscal para evitar a evasão de divisas e a sonegação, medidas que aumentaram a confiança no governo. O segundo ponto, de acordo com o presidente do Morena, foi recuperar os investimentos nas questões sociais, para recriar um sistema de apoio para atender aqueles que se tornaram invisibilizados durante os governos neoliberais. E o terceiro aspecto do governo progressista é o investimento em infraestrutura, com a criação de corredores de ligação entre os principais portos do país, busca pela soberania energética e a construção de um novo aeroporto. Para Mario Delgado, é importante que se recupere a dignidade do governo mostrando que o mesmo pode ser conduzido com dignidade e sem casos de corrupção, voltado para as questões populares.

Assim como a palestrante anterior, Mario Delgado apontou que é necessário retomar a política de valorização do trabalhador, medida  que o governo mexicano tomou durante a pandemia. A valorização dos salários em 75% (setenta e cinco por cento) desde o início do governo López Obrador teve como consequências principais imediatas o fortalecimento do mercado interno e o aumento de arrecadação do erário público. Outro ponto destacado pelo representante do Morena foi no sentido de que a garantia de direitos é necessária para garantir a liberdade política da população, para que a mesma possa ter consciência dos valores políticos da solidariedade, da fraternidade, e possa conduzir os rumos democráticos elegendo representantes honestos e sensíveis às necessidades do povo.

Fechando o painel de debates, a palavra foi passada para a deputada federal Gleisi Hoffmann, presidenta do Partido dos Trabalhadores, que iniciou sua explanação apontando que os exemplos de México e de Argentina são necessários para que o campo progressista possa modificar a atual realidade política brasileira.

Em seguida, Gleisi apontou que a pandemia não foi o ponto primordial para o surgimento das desigualdades, mas estas foram agudizadas por conta da concentração de renda, e a gestão da pandemia no Brasil com um governo de extrema-direita com políticas econômicas ultraliberais causaram fortes retrocessos na sociedade brasileira, com o país retornando ao mapa da fome da ONU, de onde o Brasil havia saído no ano de 2014.

Outro ponto destacado por Gleisi Hoffmann, em relação ao desmonte do Estado brasileiro por parte do atual governo, foi a tentativa de ataques aos direitos básicos da população. Os ataques à saúde (a tentativa de desmonte do SUS) e à Educação (com cortes de verbas para a educação básica e às universidades) evitaram o desenvolvimento da economia do país e a criação de estruturas de proteção social. De acordo com a presidenta do PT, o governo brasileiro fez gastos desordenados que não se refletiram na garantia de direitos da população. Para Gleisi, é necessário que o Estado seja o indutor de políticas públicas que garantam direitos para a população, com mudanças nos gastos públicos, adoção de programas de equilíbrio de renda e que gerem o desenvolvimento da sociedade.

Finalizando, Gleisi Hoffmann destacou ainda que existe ainda uma disputa ideológica em defesa da democracia, da justiça social e de um novo modelo de desenvolvimento, pois existe um núcleo reacionário que defende políticas conservadoras, neoliberais e até fascistas. E para esse enfrentamento será necessário que os campos progressistas e movimentos populares se reorganizem para dialogar com a população.

No segundo painel, destaque para a garantia de direitos dos povos e sociedades

O segundo painel desta quarta-feira iniciou às 11:45h, abordando o tema “Transformações sociais, direitos e justiça social”, e contou com a participação de Aloizio Mercadante, ex-ministro da Educação e coordenador do Grupo de Puebla; Yolanda Díaz, vice-presidenta da Espanha; e María José Pizarro, senadora eleita da Colômbia. A condução do debate ficou a cargo de Pablo Gentili, professor da Uerj.

A primeira palestra ficou a cargo de María José Pizarro, senadora eleita da Colômbia, que abriu sua explanação apontando que seu país neste momento é a nação com maior número de líderes sociais e campesinos assassinados por forças da extrema-direita, com mais de 80 assassinatos registrados desde 2019, e esse fato é ligado a tentativa de desestabilização dos acordos de paz entre o governo colombiano e as forças revolucionárias, assim como a tentativa de ataques aos movimentos populares. Em contraponto, a senadora apontou que a juventude colombiana se mobilizou em defesa de seu futuro e contra a violência que vitima as forças progressistas, o que culminou na prática democrática que conduziu forças políticas populares democráticas para as casas legislativas do país em um grande pacto histórico. Também existe uma grande possibilidade da eleição de uma presidência progressista na Colômbia pela primeira vez na história. María José Pizarro apontou ainda que as transformações políticas na Colômbia não estão dissociadas das lutas dos demais países da América Latina, e as lutas dos movimentos no Brasil, na Argentina e nos demais países, em especial com o exemplo dos movimentos de mulheres, servem como motor para a luta das mulheres colombianas que estão se organizando para defender seus direitos.

 

A palestrante apontou também que é necessário modernizar os modelos de produção pós-pandemia para garantir as condições de sobrevivência na América Latina. No caso da Colômbia, é necessário reforçar a vocação de produção agrária do país para atender sua população, assim como garantir a soberania energética sem abrir mão dos cuidados para reverter as mudanças climáticas. María José Pizarro encerrou sua fala ressaltando que é necessário construir uma nova constituição, um novo contrato social na Colômbia que seja inclusivo e que ordene o território e defenda a população e seus direitos fundamentais, transformando as condições de vida dos mais vulneráveis, da juventude e das mulheres não só em seu país mas em todo o continente.

Em seguida a palavra foi passada para Yolanda Díaz, vice-presidenta da Espanha, que destacou a importância de se construir uma nova maneira de conduzir a política espanhola em conjunto com o presidente José Luís Rodrigues Zapatero, que em sua gestão demonstrou sua sensibilidade e sua dedicação aos temas populares. Em seguida, destaque para a defesa da democracia, que não pode aceitar agressões aos direitos humanos e a beligerância das guerras. É necessário garantir a paz para a existência de direitos fundamentais e a participação popular nos rumos da sociedade. Yolanda afirmou que é importante também garantir a participação das mulheres na política e na sociedade, assim como defender os diversos tipos de práticas feministas para que as sociedades superem definitivamente as desigualdades entre homens e mulheres.

A vice-presidenta da Espanha apontou em seguida que é necessário abordar dois pontos que são extremamente necessários para a garantia das sociedades, que são o valor do trabalho e o valor da educação para defender o desenvolvimento das economias. Para que haja um crescimento econômico relevante, segundo Yolanda, é importante que as decisões cheguem as portas das fábricas, dos setores públicos, e sejam debatidos democraticamente com os trabalhadores e suas forças. Atualmente existem vários espaços produtivos dos quais os trabalhadores estão alijados da participação, o que não corrobora com a verdadeira democracia. As mulheres, a juventude e as populações vulneráveis devem ser incluídos nas discussões da sociedade, que deve abranger um novo modelo de produção com preocupações com as questões climáticas, com a descarbonização da economia, com desenvolvimento ecológico e com inclusão social. Yolanda Díaz classificou a existência de “bolsões de exclusão” sociais e trabalhistas como ameaças à democracia nas sociedades. Finalizando, a vice-presidenta espanhola reivindicou o valor do trabalho e do sindicalismo como necessário para o desenvolvimento econômico.

Encerrando o segundo painel da manhã, a palavra foi passada para o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante, que iniciou sua explanação em tom emocionado desabafando os horrores da tortura e do cárcere promovidos pelos governos de extrema-direita. Mercadante revelou que o pai de seu genro foi assassinado pela ditadura militar há 40 anos, o que causa dor na família mas também dá forças para continuar a luta. O ex-ministro afirmou que sonha que seus netos não vejam mais golpes e retrocessos, e para isso é importante e necessário que as forças democráticas defendam de maneira intransigente seus valores buscando consolidá-la.

Em seguida, Mercadante apontou que existe um movimento político-econômico que aponta que o centro da economia mundial está atualmente migrando para a Ásia com o papel de protagonismo da China, que está a ponto de assumir a posição de hegemonia, e a América Latina terá que entender esse processo e buscar se posicionar perante essas transformações. Uma forma de disputar o valor agregado da produção mundial é buscar internacionalmente novas parcerias para atrair inteligência e tecnologia para o Brasil. Outro ponto destacado é a necessidade de reverter a atual escalada militar que neste momento busca criar uma nova “Guerra Fria”, incluindo mudanças no Conselho de Segurança da ONU, que hoje não reflete as necessidades globais, assim como novas formas de negociação e diplomacia. Mercadante apontou também como ponto central a rediscussão sobre a financeirização da economia, com uma reforma econômica mundial com tributação mínima em todos os países, registros globais dos recursos financeiros e mecanismos para garantir que os mais ricos paguem impostos.

O ex-ministro apontou a importância de uma nova discussão sobre uma nova construção política mundial, que busque mediações e negociações entre todos os espaços e o entendimento da defesa da democracia, dos Estados democráticos e das garantias fundamentais dos povos. O modelo neoliberal, que desregulamenta as relações políticas, sociais e econômicas, é a principal responsável pela demonização da prática política e ascensão de forças reacionárias.

Finalizando, Mercadante apontou que é necessário que o Brasil retome pesadamente os investimentos no combate à fome, que é uma emergência nacional, na defesa do meio-ambiente, retomando as metas assumidas pelo país nas conferências internacionais e desarticulando as milícias armadas que hoje dominam a Amazônia, e na educação, com uma mudança sistêmica e um programa de recuperação imediato dos estudantes de Ensino Básico, Fundamental e Médio no pós-pandemia, pois esses estudantes estão desamparados pela atual gestão do MEC. As forças populares, os movimentos sociais e o movimento estudantil precisam se articular para a luta em defesa da democracia, da reindustrialização, da geração de riqueza, equilíbrio e justiça social.

Ao final das atividades da manhã, foi exibida uma mensagem do ex-presidente do Equador, Rafael Corrêa, que apontou a importância de políticas de desenvolvimento para a América Latina. Corrêa seria um dos convidados do evento, mas está sofrendo perseguições judiciais (lawfare) em seu país desde 2016, quando deixou o poder.