Por mais livros e menos cassetetes

Na semana que se passou (25/10), um fato ocorrido dentro de um Auditório da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) gerou repúdio em toda a comunidade acadêmica e levou a instituição ao noticiário dos principais veículos de comunicação. Durante a conferência que finalizava o evento “Revolução Bolchevique 100 anos – História e Memória”, a professora Maria Teresa Toríbio Brittes Lemos, enquanto respondia a perguntas, foi interrompida abruptamente por um homem que assistia ao evento e que, em tom exaltado, afirmou que “não houve Ditadura Militar no Brasil”. Em seguida, o rapaz, que durante todo o tempo filmara a fala da professora, em tom ainda mais exaltado a chamou de “comunista”, afirmando que ela fizera “doutrinação” dos presentes.

O interventor não estava sozinho. Logo após sua manifestação, outros três ou quatro homens também se levantaram. Um deles, inclusive, numa crítica à eleição de governo mais alinhados à esquerda, atribuiu o alto índice de mortes de policiais militares no estado fluminense à eleição de Dilma Roussef (PT) para a Presidência do país. O que ele não sabe, ou finge não saber, é que desde 1995 morrem pelo menos 108 policiais por ano (com exceção de 2015, com 91), sendo que justamente os anos de 1995 e 1996 são os de pior estatística: 189 e 175 mortes, respectivamente, segundo dados da própria Polícia Militar.

A partir de então, houve manifestações dos demais presentes que ressaltaram que todos estavam alí por livre e espontânea vontade. Também defenderam a existência do Governo ditatorial, questionando o porquê de o rapaz acreditar não ter havido Ditadura Militar no Brasil. Pergunta que permaneceu sem resposta.

O episódio trás à tona algumas questões: a primeira delas está no recrudescimento dos discursos conservadores. Esse processo ganhou força após o golpe político que tirou Dilma Roussef (PT) da presidência do país, em 2016. O seu impeachment representou o início de um ataque sem precedentes aos avanços sociais conquistados na década anterior, muito embora aquém dos que poderiam ter sido alcançados e com as devidas e necessárias críticas, entre outros direitos históricos da classe trabalhadora. Uma guinada política à direita que também se faz sentir em outros setores, como Educação, Saúde e até Meio Ambiente.

A segunda está relacionada às práticas autoritárias na esfera das relações sociais, consonante ao próprio processo mencionado anteriormente. E é aqui que se insere a atitude truculenta da última semana. A ação de filmar e classificar a docente de “comunista”, assim como muitas outras condutas da mesma natureza, tem o claro objetivo de remontar a repressão ao pensamento crítico que caracterizou os primeiros anos da década de 1960 e deixou marcas profundas na História do país, sobretudo na Educação, sentidas até os dias de hoje.

A ação promovida dentro da Uerj não é por acaso, já que esta universidade é uma das mais populares do país. Construída inicialmente para atender a classe trabalhadora, ela foi a primeira em seu estado a instituir cursos noturnos. Também foi pioneira na instituição das políticas afirmativas de cotas, o que faz dela uma das mais plurais em termos de corpo discente. Portanto, a Uerj sempre foi um símbolo de resistência contra as injustiças sociais e de luta pela democratização do ensino público.

Por fim, a universidade e todos aqueles que acreditam na Educação como único caminho para a construção de uma sociedade mais igualitária e consciente, devem continuar seguindo o caminho de proposição do diálogo, do debate de ideias e, desta forma, da produção do conhecimento. Esta é a única maneira de não se repetir os erros de um passado não tão distante.

Imagem: Eric Drooker