Crise no estado do Rio: servidores estaduais viram alvo da grande mídia

Charge: Ivan Cabral/GGN

A guerra de discursos contra os servidores públicos estaduais do Rio de janeiro continua. A segunda edição do noticiário RJ TV, da TV Globo, começou a exibir no último dia 02 de abril, uma série de reportagens sobre a crise financeira no estado fluminense. O intuito é explicar as razões que levaram a este cenário sem precedentes, e que tem comprometido a prestação de serviços à população.

Na segunda reportagem da série, na última terça-feira (03/04), foram apresentados, segundo o próprio noticiário, “os principais motivos que levaram o Governo para o fundo do poço”. Um destes seria o aumento dos gastos com o funcionalismo que, segundo dados apresentados, aumentaram em R$ 10 bilhões de 2013 a 2017. Ainda de acordo, com a reportagem 67% do orçamento foi gasto somente com o funcionalismo, descumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estipula o teto de 60%. Outro motivo defendido como condicionante para a crise é o aumento dos gastos previdenciários. Neste caso, o aumento foi de R$ 6 bilhões no mesmo período.

Mas o déficit orçamentário pode ser resultante tanto de um processo que aumento de despesas quanto de uma redução das receitas. Nesse sentido, a reportagem peca em focar nas despesas como justificativa para o crescente endividamento do Estado. A atual crise financeira do estado é resultante de uma crise de receita. E a reportagem nada menciona acerca dos mais de R$ 70 bilhões em dívida ativa que o governo insiste não cobrar, e nem sequer falar. Receita tributária oriunda de empresas instaladas no estado.

Além disso, nenhuma palavra também foi dita sobre os mais de R$ 150 bilhões em isenções fiscais concedidas a empresas em período semelhante analisado pela reportagem. Muitas destas concessões – como joalherias, concessionárias de carros de luxo etc – foram dadas sob critérios duvidosos e sem compensações sociais que as justificassem, principalmente ampla geração de empregos, desenvolvimento local e redução das desigualdades sociais.

Sobre a Lei Kandir, que desonerou ICMS na exportação de produtos primários e semielaborados de 1997 a 2016 e resultou em perda de R$ 60 bilhões para os cofres do Estado, segundo a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), igualmente nenhuma palavra.

Atribuir aos servidores a responsabilidade pela crise financeira do estado do Rio de Janeiro, e assim desviar a atenção da incompetência administrativa dos últimos governos tem clara intenção de ganhar a opinião pública em favor da destruição do serviço público e gratuito. A intenção é retomar o processo de venda de empresas públicas ao capital privado que teve seu ápice na década de 90, e assim fazer com que a população pague cada vez mais para ter acesso a serviços básicos. É o que deve acontecer, por exemplo, com o acesso à água após a aprovação da privatização da Companhia de Águas e Esgotos (Cedae), no ano passado. Ainda que tal medida esteja na contramão de inúmeros processos de reestatizações do saneamento básico por todo o mundo – mais de 265 desde a virada do milênio, que atingem mais de 100 milhões de pessoas. Até mesmo os britânicos, que nos anos 80 foram precursores da onda privatista que irradiou para todo o mundo, já querem a retomada do controle estatal sobre os serviços essenciais. Entre as razões, serviços caros e ineficientes, além de investimentos insuficientes.

Esse discurso de que “a máquina pública é inchada” e de que gasta-se muito com servidores públicos não é novo, assim como o desejo de privatizar os serviços públicos que norteia diversos governos e, obviamente, a iniciativa privada. Mas diante da maior crise já enfrentada pelo estado, ele ganha maior força. O argumento cai por terra, contudo, quando se constata que países desenvolvidos possuem proporcionalmente quase o dobro de servidores públicos que o Brasil.